Transbordei!

Criei este blog logo após a morte de Fernando Villela(Mineiro, FerVil), que foi uma das pessoas mais especiais em minha vida. Minha mente, meu coração e minha alma estão repletos de sentimentos confusos, sufocantes, e lembranças maravilhosas de meu querido amigo. Senti a necessidade de colocar pra fora, compartilhar, registrar e achei que a criação de um blog teria tudo a ver com ele. Transbordei!

segunda-feira, agosto 02, 2004

Mais homenagens

Hoje, 02 de agosto de 2004, 1 semana após o trágico acontecimento que tirou a vida de uma das pessoas mais iluminadas que conheci, mais dois jornalistas escreveram sobre o Fernando. Carlos Alberto Teixeira e Cora Ronái no Caderno Intformática, etc. do Jornal O Globo. Vale a pena reproduzir.


Duas ou três palavras de carinho para um cara do bem e que vai fazer falta

Carlos Alberto Teixeira

Segunda-feira passada perdemos o grande Fervil, ao mesmo tempo amigo e ídolo. O talentoso e visionário jornalista Fernando Villela, de 30 anos, morreu instantaneamente vítima de um tiro ao ser assaltado quando voltava do trabalho para casa, mais uma vítima dessa cidade selvagem que virou o Rio de Janeiro. Foi uma perda imensa para a família, para os muitos amigos, os fãs e para a internet.

O Férva foi um dos primeiros camaradas no Brasil a lançar um olhar planetário sobre a grande rede. A bem da verdade, ele enxergava tudo que acontecia na Natureza como manifestações, causas e efeitos do ser Gaia, o espírito da mãe-Terra. Meteu a cara na internet e foi um dos criadores da primeira revista brasileira sobre a rede: “Guia da Internet.BR”, da Ediouro. Acompanhou e batalhou pelo crescimento da internet no Brasil, trabalhando no “Cadê?”, no “Aqui!” e ajudando a fazer nascer o portal iG. Foi então que começou a se focar nos conteúdos para celular, atuando no SeliG e no Super iG. O último degrau em sua carreira estava sendo no Blah!, onde era diretor-executivo.

Fervil poderia ser comparado a um ultra-potente aspirador de informações, abrangendo os mais diversos assuntos. Além de engolir toda a torrente de dados, ainda dava um jeito de processar tudo e, guiado por uma inspiração incessante, manifestava sua genialidade num leque de inúmeras frentes paralelas de trabalho, o que enlouqueceria qualquer criatura normal. Mas ele agüentava o tranco e queria sempre mais. Enquanto estávamos num ponto da estrada, tentando pôr as idéias em ordem, lá estava o Fervil léguas à frente.

Toda essa pressa tinha um preço. Era como se ele soubesse que tudo poderia acabar a qualquer momento. Insistia em realizar tudo o mais rápido possível e de maneira sempre eficiente, como que para não deixar nada incompleto. O preço ele pagou: deu tudo de si para a rede que torna Gaia mais consciente. Mas não teve tempo para conquistar a calma necessária para desacelerar, respirar tranqüilo e saborear junto com os seus os frutos que conseguiu cultivar em sua rápida carreira de merecido sucesso, como profissional pioneiro, amigo fiel e grande figura humana.

No Orkut, as mensagens não param de chegar

Autor de textos brilhantes como “A internet e o cérebro global”, “Os eremitas do laptop” e “Passagem para a Era Digital”, dentre muitos outros, Fernando foi também co-autor do livro “Deu no jornal”, editado pela PUC-RIO e escreveu em seu blog “Mobilete!” até o último dia de sua vida. Devorador de livros, era adepto do esoterismo e interessado em yoga. Quando em descanso no sítio dos pais, em vez de agitos, escaladas e cavalgadas, era mais chegado a uma bicicleta ou a uma nadada. Mas o que curtia mesmo era estender sua toalha no gramado e encarar um bom livro, ou então, tirar um merecido ronco. Mas que não se diga que o Férva não era meio maluco, pois tive o privilégio de vê-lo em ação nas cachoeiras violentas do Parque Nacional do Itatiaia, em Visconde de Mauá.

A comunidade internet brasileira ainda está chocada com a notícia do desaparecimento de Fernando. O scrapbook do Fervil no Orkut, site onde ele tinha 466 amigos, não pára de receber novas mensagens, como se as pessoas estivessem realmente interagindo ainda com ele. Até agora, além dos amigos, gente que nem chegou a conhecê-lo passa por lá e deixa seu depoimento. Chegaram a criar uma comunidade dedicada no Orkut, de nome “Fervil Vive”, que reúne até o momento 131 participantes, num esforço de compilar a obra do querido “mineiro”.

Duas missas de sétimo dia em memória ao Fernando serão celebradas hoje, às 19h, uma no Rio, outra em Sampa. A do Rio será na capela do Colégio Sagrado Coração de Maria (Sacré-Coeur de Marie), na Rua Tonelero 56, em Copacabana. Nela estará presente a valente família do Fervil: os pais Luiz Fernando e Maria Helena, e as irmãs Nathalia e Christiana. A missa de São Paulo será na igreja do Colégio São Luís, Av. Paulista, esquina com Bela Cintra.


A vida depois da morte

Cora Rónai

Está na moda dizer que o Orkut é uma bobagem, um repositório de vaidades em que o que conta é ter muitos amigos e muitas estrelinhas, mas onde pouca ou nenhuma interação emotiva acontece entre as pessoas; que o Orkut seria apenas um desfilar de egos, uma geladeira de almas, que só se encontram, de verdade, nas mesas de botequim.

Pois a página Orkut do Fernando Villela, o Fervil, transformado em triste estatística na semana passada, ao ser morto durante uma tentativa de assalto, mostra o oposto disso — e dá o que pensar.

Por ter tido uma intensa vida online, Fervil deixou de presente para sua família e para seus amigos um espaço de encontro e de desabafo, um ponto para onde podemos conduzir a dor e perceber que nossa perplexidade é compartilhada. Deixou também muito material de reflexão para aqueles que, como ele, não se cansam de estudar, curtir e admirar a internet e a conectividade.

No Orkut e, em menor escala, no blog do Fervil, amigos, conhecidos e até desconhecidos, solidários na revolta, estão extravasando sentimentos que, no mundo “real”, apenas encontrariam eco nos breves instantes de uma missa ou, digamos, numa eventual passeata contra a falta de segurança no Rio; mas essas situações exigem uma presença física que a distância nem sempre permite. Eis que entra em cena a internet, desempenhando a função fundamental de reunir e amparar pessoas que compartilham a mesma tristeza e a mesma indignação.

Sei, por experiência própria, como é importante ter com quem dividir as perdas. Quando Paulo Francis morreu, eu estava longe do Brasil, longe de telefones viáveis e cercada por estrangeiros que não tinham a menor idéia de quem ele era. Gentis, eles tentaram me consolar da morte do amigo — mas a verdade é que só se encontra conforto entre quem divide a mesma dor. A angústia solitária que senti naqueles dias é, até hoje, uma das piores lembranças da minha vida.


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Muita gente se esquece que, na internet, há gente em todas as pontas. A superfície da tela é fria, mas os sentimentos que nela se manifestam nem sempre o são. Na página Orkut do Fervil, amigos de todos os cantos têm expressado sentimentos semelhantes. Nos rastros da passagem dos que lá estiveram antes encontram a prova de que não estão sozinhos, e que outras pessoas espalhadas pela web entendem perfeitamente como se sentem. Isso faz bem.

Além dos que se manifestam, tenho certeza de que há muitos mais que apenas lêem o que os outros escrevem e que permanecem “calados”; como estou certa de que voltam repetidamente ao blog em que o último post foi escrito poucas horas antes da morte do Fervil apenas para estar lá, para ter mais um pequeno contato com o amigo desaparecido e com a sua lembrança.


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“Nunca experimentei antes a sensação de entrar no blogue de alguém que acabou de morrer”, observou o jornalista Cesar Valente na área de comentários do meu blog, sob um link que leva ao blog do Fervil. “É como entrar no quarto ou na casa de alguém recentemente falecido: as coisas estão ali, do jeito que foram deixadas. E no caso do Fervil (a quem não conhecia), o post sobre os planos de mergulhar, explorar novos mundos, organizar as prioridades, dá uma triste medida da nossa precária existência.”

A sensação que o Cesar descreve é mesmo estranha mas, naturalmente, será cada vez mais comum com o passar do tempo. Alguns blogs órfãos de seus criadores continuam vivos, atualizados por amigos ou familiares como memória e lembrança; outros permanecem congelados no ciberespaço, lembrando, ainda assim, que por ali passou uma vez uma pessoa, com seus sonhos, seus ideais e suas bobagens triviais de pessoa.

No Orkut, a experiência comunitária dilui o estranhamento e aumenta a sensação do encontro. Nos recados do Fervil há até comunicados sobre as missas e chamadas para a comunidade orkutiana “Fervil Vive”.

“Não conheci Fervil, mas estava conversando com um amigo no msn na hora que ele recebeu o telefonema com a notícia”, escreveu Luciana. “Na hora foi um choque, mas pior foi chegar aqui e ver a quantidade de amigos que ele tem. A quantidade de gente que está sofrendo desde que soube o que aconteceu. Para mim, esse caso foi indignação, revolta. Para os amigos e familiares, que o amam, é dor, muita dor. Não podemos deixar que isso seja mais um número nas estatísticas de violência! O que podemos fazer? Não sei. No momento, só podemos desabafar, e é isso que estou fazendo.”