Os Eremitas do Laptop - por FerVil
"Mas que porra, para quê essa merda toda!!!", ecoava sem cessar na minha mente. Possuía tudo o que sempre imaginei que pudesse satisfazer plenamente um homem como eu. Um cargo majoritário em uma das empresas de informática de maior prestígio internacional; uma linda, doce e gostosa namorada; um luxuoso apartamento; uma casa de praia, outra de campo; um carro que lembrava uma nave espacial; e, ainda, viajava para o exterior freqüentemente. Dinheiro, preocupação precípua da massa humana, era um problema, para mim, inexistente: com o suor do rosto havia adquirido o direito de consumir o que me passasse pelo desejo. Eu tinha tudo, porém tinha também, no fundo de todo esse tudo, um largo sentimento buraco de vazio.
Incontáveis anos decorreram, e então ia tentando, de diferentes maneiras, aplacar a angústia que soluçava minha alma. E a cada nova tentativa, em vão, só dobrava a frustrante lacuna que tanto incomodava.
Formigas passeando! Havia sido esta a revelação decisiva. Em um inspirador momento de fadiga mental, sentei esgotado no banco da praça. Observei as formigas andando em fila, uma após a outra, desaparecendo sob a fresta no cimento da calçada. Depois dessa fantástica experiência, raríssima para os seres humanos do meu tempo, minha vida nunca mais seria a mesma. Benditam sejam as formiguinhas...
Nesse instante, em que entendi o instinto - como uma fagulha(zap!) -, compreendi o que deveria fazer. A paciência já havia, há muito, esgotado. Peguei meu LAPTOP, e fugi. Fugi, de tudo e de todos, sem pedir desculpas, dar satisfações, e nem mesmo despedir de alguém. Simplesmente sumi. Refugiei-me, como bem poderia ser, no ventre da Floresta Amazônica, último reduto selvagem da Terra. Eu e o LAPTOP. Uma alma atormentada, aprisionada em um corpo orgânico pensante, acoplado a sua contraparte eletrônica, um micro-computador portátil, em forma de maleta. Teclado, monitor, memória de 800 Megas, e uma moderna bateria solar, que abasteceria o aparelho. Não esqueci-me, mesmo assim, de desativar a função de relógio do meu maxi-armazenador de informações.
A floresta quase me engole. Penei, sofri, contudo sobrevivi. Sem conforto algum, sem necessidade nenhuma, sem facilidade ou tristeza. Achava-me, porém, ótimo, pois possuía algo raro e infinitamente superior, a liberdade. E que me satisfazia.
No perigoso período de adaptação inicial, vivi situações de alto risco. A pior dentre elas, sem dúvida, foi quando uma enorme serpente, azul e vermelha, enroscou-se nos meus pés, e picou-me. Durante dias vaguei, sofrendo delírios e alucinações. Imaginava que, sob o efeito do veneno, estava prestes a morrer. Todavia fui visitado por uma coruja, que apareceu-me em sonho, e indicou qual era a planta que deveria ingerir para inocular o veneno. Não sei explicar como isso aconteceu, portanto limito-me a contar o caso, assim como o ocorrido.
A sociedade humana, do presente, não me interessava mais. Decidi, pois, conscientemente, eliminar todos os pensamentos, recordações, ou referências de quem outrora eu havia sido. Coloquei minha cabeça voltada para o solo, pedi a Deus que perdoasse às pessoas, destruísse o planeta, e recomeçasse de novo. E poupasse, desse modo, os seres que viriam a nascer nesse caótico planeta artifical, desfigurado por seus antecessores. Afinal, que culpa teriam eles?
oi aí que chorei, chorei, -creio, como poucos entes viventes já conseguiram chorar- chorei, chorei. Por sete dias e sete noites derramei lágrimas, às vezes berrando às vezes sorrindo, derramei lágrimas, como uma cascata, derramei lágrimas. Coloquei para fora, no meu pranto purgante, a sombra negra que escondia-se nas profundezas do inconsciente. Vomitei temores, bloqueios, ignorâncias, pré-conceitos,injustiças, paranóias e, por fim, sangue. Purifiquei-me por completo para a nova vida.
Escutei, vi, cheirei, provei, senti e, aí, compreendi o que era, em essência, a Natureza. Cacei como uma onça, respirei o Sol como um pau-brasil. Gozava um prazer, um inexplicável e intenso prazer, ao desfrutar as sensações provindas de fontes naturais. Encontrei aquilo que devia ter perdido desde quando nasci. E, pela primeira vez na história de minha existência, emiti um sincero sorriso de paz.
O meu único objetivo, na realidade que então me existia, era o de descobrir os segredos da Natureza, aprender, experimentar. E registrar, para um incerto proveito de alguém, aquilo que conseguisse encontrar. E assim foi.
Cinco anos se passaram. Esgotou-se a memória do LAPTOP. A quantidade e qualidade das informações que nele guardei foram notáveis. Conclui que, com esse fato, havia terminado o meu fantástico período de reclusão. O planeta deveria, em breve, entrar em contato com a sabedoria que sozinho pude extrair.
Retornei, determinado, para a civilização. Imediatamente fui alvo da imprensa da Terra: após anos desaparecido, um executivo da informática, dado como morto, reaparece, apenas com seu computador portátil. Cabeludo, barbado, sujo, grotesco como um animal. E feliz.
O programa com as informações que digitei foi comercializado e tornou-se rapidamente um best-seller planetário: MOGLITY. Numa época em que até para efetuar necessidades fisiológicas o homem precisa de um auxiliar eletrônico, isso era de se esperar. “A paradoxal angústia do conforto físico”, veja o que se tornou a grande conquista da tecnologia.
Incontáveis anos decorreram, e então ia tentando, de diferentes maneiras, aplacar a angústia que soluçava minha alma. E a cada nova tentativa, em vão, só dobrava a frustrante lacuna que tanto incomodava.
Formigas passeando! Havia sido esta a revelação decisiva. Em um inspirador momento de fadiga mental, sentei esgotado no banco da praça. Observei as formigas andando em fila, uma após a outra, desaparecendo sob a fresta no cimento da calçada. Depois dessa fantástica experiência, raríssima para os seres humanos do meu tempo, minha vida nunca mais seria a mesma. Benditam sejam as formiguinhas...
Nesse instante, em que entendi o instinto - como uma fagulha(zap!) -, compreendi o que deveria fazer. A paciência já havia, há muito, esgotado. Peguei meu LAPTOP, e fugi. Fugi, de tudo e de todos, sem pedir desculpas, dar satisfações, e nem mesmo despedir de alguém. Simplesmente sumi. Refugiei-me, como bem poderia ser, no ventre da Floresta Amazônica, último reduto selvagem da Terra. Eu e o LAPTOP. Uma alma atormentada, aprisionada em um corpo orgânico pensante, acoplado a sua contraparte eletrônica, um micro-computador portátil, em forma de maleta. Teclado, monitor, memória de 800 Megas, e uma moderna bateria solar, que abasteceria o aparelho. Não esqueci-me, mesmo assim, de desativar a função de relógio do meu maxi-armazenador de informações.
A floresta quase me engole. Penei, sofri, contudo sobrevivi. Sem conforto algum, sem necessidade nenhuma, sem facilidade ou tristeza. Achava-me, porém, ótimo, pois possuía algo raro e infinitamente superior, a liberdade. E que me satisfazia.
No perigoso período de adaptação inicial, vivi situações de alto risco. A pior dentre elas, sem dúvida, foi quando uma enorme serpente, azul e vermelha, enroscou-se nos meus pés, e picou-me. Durante dias vaguei, sofrendo delírios e alucinações. Imaginava que, sob o efeito do veneno, estava prestes a morrer. Todavia fui visitado por uma coruja, que apareceu-me em sonho, e indicou qual era a planta que deveria ingerir para inocular o veneno. Não sei explicar como isso aconteceu, portanto limito-me a contar o caso, assim como o ocorrido.
A sociedade humana, do presente, não me interessava mais. Decidi, pois, conscientemente, eliminar todos os pensamentos, recordações, ou referências de quem outrora eu havia sido. Coloquei minha cabeça voltada para o solo, pedi a Deus que perdoasse às pessoas, destruísse o planeta, e recomeçasse de novo. E poupasse, desse modo, os seres que viriam a nascer nesse caótico planeta artifical, desfigurado por seus antecessores. Afinal, que culpa teriam eles?
oi aí que chorei, chorei, -creio, como poucos entes viventes já conseguiram chorar- chorei, chorei. Por sete dias e sete noites derramei lágrimas, às vezes berrando às vezes sorrindo, derramei lágrimas, como uma cascata, derramei lágrimas. Coloquei para fora, no meu pranto purgante, a sombra negra que escondia-se nas profundezas do inconsciente. Vomitei temores, bloqueios, ignorâncias, pré-conceitos,injustiças, paranóias e, por fim, sangue. Purifiquei-me por completo para a nova vida.
Escutei, vi, cheirei, provei, senti e, aí, compreendi o que era, em essência, a Natureza. Cacei como uma onça, respirei o Sol como um pau-brasil. Gozava um prazer, um inexplicável e intenso prazer, ao desfrutar as sensações provindas de fontes naturais. Encontrei aquilo que devia ter perdido desde quando nasci. E, pela primeira vez na história de minha existência, emiti um sincero sorriso de paz.
O meu único objetivo, na realidade que então me existia, era o de descobrir os segredos da Natureza, aprender, experimentar. E registrar, para um incerto proveito de alguém, aquilo que conseguisse encontrar. E assim foi.
Cinco anos se passaram. Esgotou-se a memória do LAPTOP. A quantidade e qualidade das informações que nele guardei foram notáveis. Conclui que, com esse fato, havia terminado o meu fantástico período de reclusão. O planeta deveria, em breve, entrar em contato com a sabedoria que sozinho pude extrair.
Retornei, determinado, para a civilização. Imediatamente fui alvo da imprensa da Terra: após anos desaparecido, um executivo da informática, dado como morto, reaparece, apenas com seu computador portátil. Cabeludo, barbado, sujo, grotesco como um animal. E feliz.
O programa com as informações que digitei foi comercializado e tornou-se rapidamente um best-seller planetário: MOGLITY. Numa época em que até para efetuar necessidades fisiológicas o homem precisa de um auxiliar eletrônico, isso era de se esperar. “A paradoxal angústia do conforto físico”, veja o que se tornou a grande conquista da tecnologia.
por Fernando Villela
Este é apenas um dos brilhantes textos de FerVil. Seria ótimo se, como ele diz no texto, ele apenas tivesse sumido - como já era de seu costume - e aparecesse daqui a 5 anos cheio de histórias pra contar, gravadas em seu laptop...
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